Primavera

Primavera
Primavera de Botticelli (imagem da Google)

ADÁGIO


Tão curta a vida e tão comprido o tempo!...
Feliz quem o não sente.
Quem respira tão fundo
O ar do mundo,
Que vive em cada instante eternamente.

Miguel Torga































domingo, 28 de março de 2010

Quimeras

Há na minha vida quimeras distantes,
Quais nuvens errantes, em dias atrozes.
Eu corro atrás delas, mas elas, por fim,
Perdem-se de mim, no horizonte, velozes.

Há no meu diário silenciosas dores,
Quais flores que o vento desfaz de manhã.
Com elas me embalo nos dias soturnos,
Dir-se-iam «Nocturnos», como os de Chopin.

Há no meu caminho nem sei bem o quê.
Alguém que me vê e que eu não visiono.
São meus dias passados, meus dias de infância,
Sabendo à fragrância das tardes de Outono.

Saudades, saudades, sentido da vida,
Um dia vivida e que não volta mais.
Meus dias passados, sobre eles me debruço,
No eterno soluço das coisas mortais.

Há na minha vida um viver fictício,
Fogo de artifício, esplendente e altivo.
Eu vejo-o enlevado, um instante fugaz,
Depois se desfaz na noite em que eu vivo.

Há na minha vida ignotas tristezas,
Pequenas certezas a que me apeguei.
Com elas eu vivo, com elas eu morro,
Para meu socorro é que eu as criei.

Quimeras, quimeras, fumo de cigarro,
Cachimbo de barro que um dia quebrei.
Ópio sagrado, num templo budista,
Já longe da vista, e que eu nunca fumei.


Alfredo Brochado, in "Bosque Sagrado"

Momentos... que são únicos e intransmissíveis...

sábado, 27 de março de 2010

Emprego e Desemprego do Poeta

Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
ou no surdo verão as manhãs de domingo
Não lhe digais que é mão-de-obra a mais
que o tempo não está para a poesia

Publicar versos em jornais que tiram milhares
talvez até alguns milhões de exemplares
haverá coisa que se lhe compare?
Grandes mulheres como semiramis
públia hortênsia de castro ou vitória colonna
todas aquelas que mais íntimo morreram
não fizeram tanto por se imortalizar

Oh que agradável não é ver um poeta em exercício
chegar mesmo a fazer versos a pedido
versos que ao lê-los o mais arguto crítico em vão procuraria
quem evitasse a guerra maiúsculas-minúsculas melhor
Bem mais do que a harmonia entre os irmãos
o poeta em exercício é como azeite precioso derramado
na cabeça e na barba de aarão

Chorai profissionais da caridade
pelo pobre poeta aposentado
que já nem sabe onde ir buscar os versos
Abandonado pela poesia
oh como são compridos para ele os dias
nem mesmo sabe aonde pôr as mãos


Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"

Outros ritmos...




Here is your cart,
And your cardboard and piss;
And here is your love
For all of this.

May everyone live,
And may everyone die.
Hello, my love,
And my love, Goodbye.

Here is your wine,
And your drunken fall;
And here is your love.
Your love for it all.

Here is your sickness.
Your bed and your pan;
And here is your love
For the woman, the man.

May everyone live,
And may everyone die.
Hello, my love,
And, my love, Goodbye.

And here is the night,
The night has begun;
And here is your death
In the heart of your son.

And here is the dawn,
(Until death do us part);
And here is your death,
In your daughter's heart.

May everyone live,
And may everyone die.
Hello, my love,
And, my love, Goodbye.

And here you are hurried,
And here you are gone;
And here is the love,
That it's all built upon.

Here is your cross,
Your nails and your hill;
And here is your love,
That lists where it will

May everyone live,
And may everyone die.
Hello, my love,
And my love, Goodbye

Leonard Cohen

sexta-feira, 26 de março de 2010


Eugène Delacroix, La Liberté

Eugène Delacroix, Les Femmes d'Alger


Eugène Delacroix

L'Invitation au Voyage


Mon enfant, ma soeur,
Songe à la douceur
D'aller là-bas vivre ensemble !
Aimer à loisir,
Aimer et mourir
Au pays qui te ressemble !
Les soleils mouillés
De ces ciels brouillés
Pour mon esprit ont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtres yeux,
Brillant à travers leurs larmes.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décoreraient notre chambre ;
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre,
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale,
Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde ;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
- Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière,
D'hyacinthe et d'or ;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.


Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal

L'Invitation au Voyage

Mon enfant, ma soeur,
Songe à la douceur
D'aller là-bas vivre ensemble !
Aimer à loisir,
Aimer et mourir
Au pays qui te ressemble !
Les soleils mouillés
De ces ciels brouillés
Pour mon esprit ont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtres yeux,
Brillant à travers leurs larmes.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décoreraient notre chambre ;
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre,
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale,
Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde ;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
- Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière,
D'hyacinthe et d'or ;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.


Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal

quinta-feira, 25 de março de 2010

Última Folha

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A última harmonia.

Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chão as alvas rosas
E as alvas margaridas.

Vês? Não é noite, não, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
O sol resplandecente.

Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silêncio da planície,
Como um frio sudário.

Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.

Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
Irás, musa celeste!

Então, nas horas solenes
Em que o místico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;

Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,
Bafeja a brisa suave
Cedros que o vento abalou;

E o rio, a árvore e o campo,
A areia, a face do mar,
Parecem, como um concerto,
Palpitar, sorrir, orar;

Então sim, alma de poeta,
Nos teus sonhos cantarás
A glória da natureza,
A ventura, o amor e a paz!

Ah! mas então será mais alto ainda;
Lá onde a alma do vate
Possa escutar os anjos,

E onde não chegue o vão rumor dos homens;

Lá onde, abrindo as asas ambiciosas,
Possa adejar no espaço luminoso,
Viver de luz mais viva e de ar mais puro,
Fartar-se do infinito!

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A
última harmonia!

Machado de Assis, in 'Crisálidas'

segunda-feira, 22 de março de 2010

Retrato de Amigo

Por ti falo. E ninguém sabe. Mas eu digo
meu irmão minha amêndoa meu amigo
meu tropel de ternura minha casa
meu jardim de carência minha asa.

Por ti morro e ninguém pensa. Mas eu sigo
um caminho de nardos empestados
uma intensa e terrífica ternura
rodeado de cardos por muitíssimos lados.

Meu perfume de tudo minha essência
meu lume minha lava meu labéu
como é possível não chegar ao cume
de tão lavado céu?


Ary dos Santos, in 'Fotosgrafias'

domingo, 21 de março de 2010

Um filme angustiante, perturbador...

Filme relaxadamente delicioso...

A Primavera



Botticelli, La Primavera

A Forma Justa

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo


Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

quinta-feira, 18 de março de 2010

Um cheirinho (antecipado) a Primavera...

A Palavra Mágica

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.


Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'

terça-feira, 16 de março de 2010

Mozart

Sobre a Palavra

Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelhece

Sobre a palavra
a noite aproxima-se da chama

Assim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura

Na porosa fronteira do silêncio
a mão ilumina a terra inacabada

Interminavelmente


Eugénio de Andrade, in "Véspera da Água"

domingo, 14 de março de 2010

O Amor, um Dever de Passagem

Fui envenenado pela dor obscura do Futuro.
Eu sabia já que algo se preparava contra o meu corpo.
Agora torço-me de agonia
nos versos deste poema.
Esta é a terra outrora fértil que os meus dedos dilaceram.
Os meus lábios são feitos desta terra,
são lama quente.
Vou partir pelo teu rosto para mais longe.
A minha fome é ter-te olhado
e estar cego. Agora eu sei que te abres para o fogo
do relâmpago.
Tenho a convicção dos temporais.
já não sei nem o que digo nem o que isso importa. Guia
dos meus cabelos rasos, da melancolia,
da vida efémera dos gestos.
Nesse dia fui melhor actor do que a minha sinceridade.

A cesura enerva-me no estômago
Cortei de manhã as pontas dos dedos mas sei já que
elas crescerão de novo a proteger as unhas.
Talvez a vida seja estranha,
talvez a vida seja simples,
talvez a vida seja outra vida.
A linha branca da Beleza é a minha atitude que se transforma.

A violência do sono sobe
sobre o meu conhecimento.

Fui algures um horizonte na secessão das pálpebras.

Nuno Júdice, in "O Pavão Sonoro"

O Constante Diálogo

Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado

Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as ideias
o sonho
o passado
o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'

sábado, 13 de março de 2010

Pintura japonesa

A Taça de Chá

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caida nas esteiras bordadas. E os bambús ao vento e os crysanthemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com elle a advinharem-lhe o fim. Em róda tombávam-se adormecidos os idolos coloridos e os dragões alados. E a gueisha, procelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, enrodilhou-se num labyrinto que nem os dragões dos deuses em dias de lagrymas. E os seus olhos rasgados, perolas de Nankim a desmaiar-se em agua, confundiam-se scintillantes no luzidio das procelanas.

Elle, num gesto ultimo, fechou-lhe os labios co'as pontas dos dedos, e disse a finar-se:--Chorar não é remedio; só te peço que não me atraiçoes emquanto o meu corpo fôr quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ella, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Ceu para Elle, e a saltitar foi pelos jardíns a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ella.

Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um leque de marfim.

A estampa do pires é igual.


Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1

quinta-feira, 11 de março de 2010

Soneto a duas mãos

A mão que me sustenta e eu sustento
é mão capaz das vinte e cinco linhas
e do selado azul de um requerimento
ou doutras diligências comesinhas...

Habituada por secretarias,
esperta, decidiu de um grave acento,
a vírgulas guindou torpes cedilhas
e mastigou papel, seu alimento...

Contraiu calos, revoltou-se às vezes,
contra certos despachos, tão soezes
que até o dedo auricular se ria...

Com dois dedos de aumento se curvava
e logo, altiva, à esquerda se mostrava... Agora?
Estão as duas na poesia...


Alexandre O' Neill, Abandono Vigiado (1960)

terça-feira, 9 de março de 2010

Agora Mesmo

Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado
Está gente a morrer e nós também

Está gente a despedir-se sem saber que para
Sempre
Este som já passou

Este gesto também
Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante
Tu próprio te despedes de ti próprio
Não és o mesmo que escreveu o verso atrás
Já estás diferente neste verso e vais com ele

Os amantes agarram-se desesperadamente
Eis como se beijam e mordem e por vezes choram
Mais do que ninguém eles sabem que estão a
[despedir-se

A Terra gira e nós também

A Terra morre e nós
Também
Não é possível parar o turbilhão
Há um ciclone invisível em cada instante
Os pássaros voam sobre a própria despedida
As folhas vão-se e nós
Também
Não é vento

É movimento fluir do tempo amor e morte
Agora mesmo e para todo o sempre
Ámen


Manuel Alegre, in "Chegar Aqui"

segunda-feira, 8 de março de 2010

Ela..

Dia Internacional da Mulher

O Dia Internacional da Mulher é celebrado no dia 8 de Março por grupos de mulheres em todo mundo em homenagem àquelas que, desde sempre, lutaram e morreram pela igualdade de direitos e pela sua dignidade enquanto pessoa. É uma data também celebrada pela ONU e, em numerosos países, uma festa nacional.
Quando as mulheres de todos os continentes, muitas vezes separadas por fronteiras e por diferenças étnicas, linguísticas, culturais, económicas e políticas, se reúnem para celebrar o seu Dia, elas podem ver, se olharem para trás, que se trata de uma tradição com mais de 90 anos de luta pela igualdade, a justiça, a paz e o desenvolvimento.
Aqui, hoje, quisemos suscitar a reflexão sobre a condição feminina neste início de século e lembrar que a sociedade é feita de homens e de mulheres e que ambos os géneros se complementam em todos os momentos das suas vidas; lembrar, ainda, que a luta das mulheres não é contra os homens; é para o reconhecimento da pessoa sensível e digna de respeito que é a mulher enquanto ser humano, com direitos iguais por ser tão indispensável quanto o homem neste mundo.
O ideal seria que deixasse de existir este Dia e que o respeito seja uma evidência e os maus tratos uma excepção. Só, nessa altura, poderemos falar em harmonia e igualdade.
Finalmente, em nome da Escola, gostaria de agradecer a presença de todos e, em especial, às nossas convidadas, Senhora Tenente-Coronel Anabela Varela, Drª. Ana Paula Costa – assessora do Governador Civil-, Drª. Manuela Mendonça – dirigente do sindicato FENPROF-, Drª. Maria Luísa Gonçalves – artista plástica-, que tão gentilmente acederam ao nosso convite para estarem aqui connosco, a fim de dar o seu testemunho.
Uma palavra de agradecimento, ainda, à Fundação Cupertino de Miranda que tem sido nossa parceira na cedência do auditório para a realização dos diversos eventos que a Escola Camilo Castelo Branco tem desenvolvido ao longo deste ano lectivo.

sábado, 6 de março de 2010

O Poema Original

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.


Ary dos Santos, in 'Resumo'

sexta-feira, 5 de março de 2010

Escrever é procurar corresponder


Escrever é procurar corresponder

Ainda que não se saiba a quê ou se esse quê existe


A nossa liberdade nasce de uma incerteza radical

E a sua metamorfose é a invenção de um espaço

De correspondências que visam uma esfera inviolável

António Ramos Rosa

Diana Krall

Diana Krall

Diana Krall

Diana Krall

Fly me to the moon

Fly me to the moon

Fly me to the moon

quarta-feira, 3 de março de 2010

Vozes...

A Torpe Sociedade onde Nasci

I

Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II

Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!

III

Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...

IV

E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V

Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte...


António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."