Primavera

Primavera
Primavera de Botticelli (imagem da Google)

ADÁGIO


Tão curta a vida e tão comprido o tempo!...
Feliz quem o não sente.
Quem respira tão fundo
O ar do mundo,
Que vive em cada instante eternamente.

Miguel Torga































quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Madama Butterfly



Giacomo Puccini

Improviso para dizer a última certeza dos amantes...

Serenissimamente
todos os gestos
que não interrogam
nem afrontam
a sabedoria toma sempre o lugar
do silêncio
ou das palavras tranquilas
já não estamos em guerra
nem à procura de uma casa
em que ainda coubéssemos
ou um livro
a verdade aliás
é que deixámos a literatura para trás
como um deserto
e já não tropeçamos nas personagens
que nos serviam de espelho
agora
temos sempre tudo
exactamente
porque nunca esperamos
mais do que nada.

Ademar
27.12.2009

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Carmen



Georges Bizet

As Amoras

O meu país sabe as amoras bravas

no verão.

Ninguém ignora que não é grande,

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce

de quem acorda cedo para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez

nem goste dele, mas quando um amigo

me traz amoras bravas

os seus muros parecem-me brancos,

reparo que também no meu país o céu é azul.



Sophia de Mello Breyner Andresen


Este poema lembra-me sempre o tempo em que eu era menina e vinha a Portugal para passar férias. Nas minhas deambulações pela aldeia, gostava tanto de colher amoras bravas e doces...

domingo, 27 de dezembro de 2009

O Poema


O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 26 de dezembro de 2009

Saudade

Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono


Mia Couto

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal

Solstício de inverno.
Aqui estou novamente a festejá-lo
À fogueira dos meus antepassados
Das cavernas.
Neva-me na lembrança.
E sonho a primavera
Florida nos sentidos.
Consciente da fera
Que esses tempos idos
Também era.
Imagino um segundo nascimento
Sobrenatural
Da minha humanidade.
Na humildade
Dum presépio ideal,
Emblematizo essa virtualidade.
E chamo-lhe Natal.


Miguel Torga, 25 de Dezembro de 1982

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Vozes... do passado

Eterna pureza...

La Pietá


Miguel Ângelo

Pietá

Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.

Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.

Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;

Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.


Miguel Torga (cadeia do Aljube, Natal de 1939)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Conto

No meu conto,

Não havia fadas

Não havia príncipes

Não havia sapatinhos

Não havia charrete

*

No meu conto,

Havia sonhos

Havia amor

Havia saudades

*

Sem fadas ,

Não vi o príncipe

Não fui ao baile

Não fui princesa

Não perdi o sapatinho

Fui apenas gata borralheira.


Flor Pedrosa

domingo, 20 de dezembro de 2009

Inverno de Vivaldi

Canção de enganar tristeza

Se a tristeza um dia

Te encontrar triste sozinho

Trata bem dela

Porque a tristeza quer carinho

E fala sobre a beleza

Com tanta delicadeza

Por não ter nenhum carinho

Que ela só existe

Por não ter nenhum carinho

E dá-lhe um amor tão lindo

Que quando ela se for indo

Ela vá contente

De ter tido o teu carinho


Vinicius de Moraes

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Para ti

Foi para ti

que desfolhei a chuva

para ti soltei o perfume da terra

toquei no nada

e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras

e todas me faltaram

no minuto em que talhei

o sabor do sempre

Para ti dei voz

às minhas mãos

abri os gomos do tempo

assaltei o mundo

e pensei que tudo estava em nós

nesse doce engano

de tudo sermos donos

sem nada termos

simplesmente porque era de noite

e não dormíamos

eu descia em teu peito

para me procurar

e antes que a escuridão

nos cingisse a cintura

ficávamos nos olhos

vivendo de um só

amando de uma só vida


Mia Couto

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Mozart

Chopin



Frédéric Chopin

Até ao fim

Mas é assim o poema: construído devagar,

palavra a palavra, e mesmo verso a verso,

até ao fim. O que não sei é

como acabá-lo; ou, até, se

o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:

puxo o teu corpo

para o meio dele, deito-o na cama

da estrofe, dispo-o de frases

e de adjectivos até te ver,

tu,

o mais nu dos pronomes. Ficamos

assim. Para trás, palavras e versos,

e tudo o que

não é preciso dizer:

eu e tu, chamando o amor

para que o poema acabe.


Nuno Júdice

Madredeus

Se fosses luz

Se fosses luz serias a mais bela

De quantas há no mundo: – a luz do dia!

- Bendito seja o teu sorriso

Que desata a inspiração

Da minha fantasia!

Se fosses flor serias o perfume

Concentrado e divino que perturba

O sentir de quem nasce para amar!

- Se desejo o teu corpo é porque tenho

Dentro de mim

A sede e a vibração de te beijar!

Se fosses água – música da terra,

Serias água pura e sempre calma!

- Mas de tudo que possas ser na vida,

Só quero, meu amor, que sejas alma!


António Botto

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Quase um poema de amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema

De amor.

E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!

A nossa natureza

Lusitana

Tem essa humana

Graça

Feiticeira

De tornar de cristal

A mais sentimental

E baça

Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo

E ninguém me deseje apaixonado,

Ou que a antiga paixão

Me mantenha calado

O coração

Num íntimo pudor,

…Há muito tempo já que não escrevo um poema

De amor

Miguel Torga

domingo, 13 de dezembro de 2009

Eva

Quando Eva andava nua pelo paraíso,

disfarçava o tédio à sombra das árvores,

colhendo as flores, cheirando o seu perfume,

e pensando como seria bom ter um céu

para espreitar.

Um dia, uma dessas flores transformou-se

em fruto; e Eva levou-o à boca,

trincou-o, provou a sua polpa.

Por um estranho efeito

de causa e consequência, o sabor da maçã

obrigou Eva a cobrir a sua nudez

com folhas e flores, que passaram

a ser uma metáfora do corpo

que escondem.

Então, o pecado tornou-se uma simples

figura de retórica, e o sexo um exercício

de interpretação.


Nuno Júdice

sábado, 12 de dezembro de 2009

Les Vieux

Les vieux ne parlent plus ou alors seulement parfois du bout des yeux
Même riches ils sont pauvres, ils n'ont plus d'illusions et n'ont qu'un coeur pour deux
Chez eux ça sent le thym, le propre, la lavande et le verbe d'antan
Que l'on vive à Paris on vit tous en province quand on vit trop longtemps
Est-ce d'avoir trop ri que leur voix se lézarde quand ils parlent d'hier
Et d'avoir trop pleuré que des larmes encore leur perlent aux paupières
Et s'ils tremblent un peu est-ce de voir vieillir la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui dit: je vous attends

Les vieux ne rêvent plus, leurs livres s'ensommeillent, leurs pianos sont fermés
Le petit chat est mort, le muscat du dimanche ne les fait plus chanter
Les vieux ne bougent plus leurs gestes ont trop de rides leur monde est trop petit
Du lit à la fenêtre, puis du lit au fauteuil et puis du lit au lit
Et s'ils sortent encore bras dessus bras dessous tout habillés de raide
C'est pour suivre au soleil l'enterrement d'un plus vieux, l'enterrement d'une plus laide
Et le temps d'un sanglot, oublier toute une heure la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, et puis qui les attend

Les vieux ne meurent pas, ils s'endorment un jour et dorment trop longtemps
Ils se tiennent la main, ils ont peur de se perdre et se perdent pourtant
Et l'autre reste là, le meilleur ou le pire, le doux ou le sévère
Cela n'importe pas, celui des deux qui reste se retrouve en enfer
Vous le verrez peut-être, vous la verrez parfois en pluie et en chagrin
Traverser le présent en s'excusant déjà de n'être pas plus loin
Et fuir devant vous une dernière fois la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui leur dit: je t'attends
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non et puis qui nous attend.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Mayra Andrade


Paraíso

Deixa ficar comigo a madrugada,

para que a luz do Sol me não constranja.

Numa taça de sombra estilhaçada,

deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,

onde eu ouça o estertor de uma gaivota…

Crepite, em derredor, o mar de Agosto…

E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho

que acendas, para tudo ser perfeito,

à cabeceira a luz do teu joelho,

entre os lençóis o lume do teu peito…

Podes partir. De nada mais preciso

para a minha ilusão do Paraíso.


David Mourão-Ferreira

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009


Após ter (re)conhecido os horrores de que foram capazes os homens, durante a II guerra mundial, de mãos dadas - pelo menos no papel- as nações (finalmente?) unidas assinaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no dia 10 de Dezembro de 1948.
.

Dia Internacional dos Direitos Humanos

EXÍLIO

Quando a pátria que temos não a temos

Perdida por silêncio e por renúncia

Até a voz do mar se torna exílio

E a luz que nos rodeia é como grades


Sophia de Mello Breyner Andresen

LIBERDADE

Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

POESIA





Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco

conheço tão bem o teu corpo

sonhei tanto a tua figura

que é de olhos fechados que eu ando -

a delimitar a tua altura

e bebo a água e sorvo o ar

que te atravessou a cintura

tanto tão perto tão real

que o meu corpo se transfigura

e toca o seu próprio elemento

numcorpo que já não é seu

num rio que desapareceu

onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Amor da palavra, amor do corpo

A nudez da palavra que te despe.

Que treme, esquiva.

Com os olhos dela te quero ver,

que te não vejo.

Boca na boca, através de que boca

posso eu abrir-te e ver-te?

É meu receio que escreve e não o gosto

do sol de ver-te?

Todo o espaço dou ao espelho vivo

e do vazio te escuto.

Silêncio de vertigem, pausa, côncavo

de onde nasces, morres, brilhas, branca?

És palavra ou és corpo unido em nada?

É de mim que nasces ou do mundo solta?

Amorosa confusão, te perco e te acho,

à beira de nasceres tua boca toco

e o beijo é já perder-te.


António Ramos Rosa

Música Barroca

As Palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


Eugénio de Andrade

Terra Sonâmbula



Mia Couto surpreende-nos a cada virar de página com uma nova forma de dizer o mundo que vê e que sente. "Terra Sonâmbula" foi o meu primeiro contacto com o Universo linguístico e mágico da realidade africana, traduzida por Mia Couto. Outros momentos vieram desde então, como aquele que o próprio nos proporcionou em Correntes de Escritas, na Póvoa de Varzim. Quando saí do auditório e bati de frente com a luz de um sol quente, senti que a palavra me transportara para uma viagem longuínqua... onírica!

domingo, 6 de dezembro de 2009

E de novo a armadilha dos abraços

E de novo a armadilha dos abraços.

E de novo o enredo das delícias.

O rouco da garganta, os pés descalços

a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos, as risadas

no altar esplendoroso das ofertas.

De novo beijo a beijo as madrugadas

de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso

teço um colar de gritos e silêncios

a ecoar no som dos precipícios.

E tudo o que me dás eu te devolvo.

E fazemos de novo, sempre novo


o amor total dos deuses e dos bichos.


Rosa Lobato de Faria

E de novo a armadilha dos abraços

E de novo a armadilha dos abraços.

E de novo o enredo das delícias.

O rouco da garganta, os pés descalços

a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos, as risadas

no altar esplendoroso das ofertas.

De novo beijo a beijo as madrugadas

de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso

teço um colar de gritos e silêncios

a ecoar no som dos precipícios.

E tudo o que me dás eu te devolvo.

E fazemos de novo, sempre novo


o amor total dos deuses e dos bichos.


Rosa Lobato de Faria

Elevação... aos Céus!




Wolfgang Amadeus Mozart

Adeus minha Concubina




Um filme cruelmente...belo!

O Piano




Um filme belíssimo...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Astor Piazzola



História do Tango

"O Tango nasceu nos fins do século XIX derivado das misturas entre as formas musicais dos imigrantes italianos e espanhóis, dos crioulos descendentes dos conquistadores espanhóis que já habitavam os pampas e de um tipo de batuque dos negros chamado "Candombe". Há indícios de influência da "Habanera" cubana e do "Tango Andaluz". O Tango nasceu como expressão folclórica das populações pobres, oriundas de todas aquelas origens, que se misturavam nos subúrbios da crescente Buenos Aires.
Numa fase inicial era puramente dançante. O povo encarregava-se de improvisar letras picantes e bem humoradas para as musicas mais conhecidas, mas não eram, por assim dizer, letras oficiais.
Em público, dançavam homens com homens. Naqueles tempos era considerada obscena a dança entre homens e mulheres abraçados, sendo este um dos aspectos do tango que o manteve circunscrito aos bordéis, onde os homens utilizavam os passos que praticavam e criavam entre si nas horas de lazer mais familiar. Mais tarde, o tango tornou-se uma dança tipicamente praticada nos bordéis."

o Vate




Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


Florbela Espanca

Pincéis e Sentimentos




Modigliani

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009


Sophia de Mello Breyner Andresen


Quem és tu

Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A tua perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Cinema Paraíso



Um filme comovente...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

BABEL



Uma banda sonora à altura de uma fita extraordinária!

Rodrigo Leão

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.


Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O´Neil

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

L'Albatros

Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.

A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!

Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.


Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal

El desdichado

Je suis le ténébreux,- le Veuf, - l'inconsolé,
Le Prince d'Aquitaine à la tour abolie:
Ma seule étoile est morte, et mon luth constellé
Porte le soleil noir de la Mélancolie.

Dans la nuit du Tombeau, Toi qui m'as consolé,
Rends-moi le Pausilippe et la mer d'Italie,
La fleur qui plaisait tant à mon coeur désolé,
Et la treille où le Pampre à la rose s'allie.

Suis-je Amour ou Phoebus ?.... Lusignan ou Biron ?
Mon front est rouge encor du baiser de la Reine ;
J'ai rêvé dans la grotte où nage la Sirène...

Et j'ai deux fois vainqueur traversé l'Achéron :
Modulant tour à tour sur la lyre d'Orphée
Les soupirs de la Sainte et les cris de la Fée.


Gérard de Nerval, Les Chimères

Epigrama gastronómico

Há mil e cem anos
de poesia num só dia
mil e cem palavras
numa só sílaba,
mil e cem páginas
numa linha
-quando abro o livro
do teu corpo, e provo mil
e cem receitas num só
amor.


Nuno Júdice

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Ausência

Quero dizer-te uma coisa simples:
a tua ausência dói-me.
Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma;
mas que não deixa, por isso,
de deixar alguns sinais -
um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos.
Como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto.
São estas as formas do amor,
podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples
também podem ser complicadas,
quando nos damos conta da diferença entre
o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz a tua memória;
e a realidade aproxima-me de ti,
agora que os dias correm mais depressa,
e as palavras ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de mim -
e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.


Nuno Júdice

domingo, 29 de novembro de 2009

Alphonse de LAMARTINE (1790-1869)

A Elvire
Oui, l'Anio murmure encore
Le doux nom de Cynthie aux rochers de Tibur,
Vaucluse a retenu le nom chéri de Laure,
Et Ferrare au siècle futur
Murmurera toujours celui d'Eléonore !
Heureuse la beauté que le poète adore !
Heureux le nom qu'il a chanté !
Toi, qu'en secret son culte honore,
Tu peux, tu peux mourir ! dans la postérité
Il lègue à ce qu'il aime une éternelle vie,
Et l'amante et l'amant sur l'aile du génie
Montent, d'un vol égal, à l'immortalité !
Ah! si mon frêle esquif, battu par la tempête,
Grâce à des vents plus doux, pouvait surgir au port ?
Si des soleils plus beaux se levaient sur ma tête ?
Si les pleurs d'une amante, attendrissant le sort,
Ecartaient de mon front les ombres de la mort ?
Peut-être?..., oui, pardonne, ô maître de la lyre !
Peut-être j'oserais, et que n'ose un amant ?
Egaler mon audace à l'amour qui m'inspire,
Et, dans des chants rivaux célébrant mon délire,
De notre amour aussi laisser un monument !
Ainsi le voyageur qui dans son court passage
Se repose un moment à l'abri du vallon,
Sur l'arbre hospitalier dont il goûta l'ombrage
Avant que de partir, aime à graver son nom !

Vois-tu comme tout change ou meurt dans la nature ?
La terre perd ses fruits, les forêts leur parure ;
Le fleuve perd son onde au vaste sein des mers ;
Par un souffle des vents la prairie est fanée,
Et le char de l'automne, au penchant de l'année,
Roule, déjà poussé par la main des hivers !
Comme un géant armé d'un glaive inévitable,
Atteignant au hasard tous les êtres divers,
Le temps avec la mort, d'un vol infatigable
Renouvelle en fuyant ce mobile univers !
Dans l'éternel oubli tombe ce qu'il moissonne :
Tel un rapide été voit tomber sa couronne
Dans la corbeille des glaneurs !
Tel un pampre jauni voit la féconde automne
Livrer ses fruits dorés au char des vendangeurs !
Vous tomberez ainsi, courtes fleurs de la vie !
Jeunesse, amour, plaisir,. fugitive beauté !
Beauté, présent d'un jour que le ciel nous envie,
Ainsi vous tomberez, si la main du génie
Ne vous rend l'immortalité !
Vois d'un oeil de pitié la vulgaire jeunesse,
Brillante de beauté, s'enivrant de plaisir !
Quand elle aura tari sa coupe enchanteresse,
Que restera-t-il d'elle? à peine un souvenir :
Le tombeau qui l'attend l'engloutit tout entière,
Un silence éternel succède à ses amours ;
Mais les siècles auront passé sur ta poussière,
Elvire, et tu vivras toujours !

O Carteiro de Pablo Neruda



Pablo Neruda

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Um Amor

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.

Nuno Júdice, in "A Partilha dos Mitos"

Verdi

terça-feira, 17 de novembro de 2009

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

DIA INTERNACIONAL DA TOLERÂNCIA

Traité sur la tolérance

Voltaire (1763)

Escola

O que significa o rio,
a pedra, os lábios da terra
que murmuram, de manhã,
o acordar da respiração?

O que significa a medida
das margens, a cor que
desaparece das folhas no
lodo de um charco?

O dourado dos ramos na
estação seca, as gotas
de água na ponta dos
cabelos, os muros de hera?

A linha envolve os objectos
com a nitidez abstracta
dos dedos; traça o sentido
que a memória não guardou;

e um fio de versos e verbos
canta, no fundo do pátio,
no coro de arbustos que
o vento confunde com crianças.

A chave das coisas está
no equívoco da idade,
na sombria abóbada dos meses,
no rosto cego das nuvens.

Nuno Júdice, in "Meditação sobre Ruínas"

Homenagem a António Aleixo (18/02/1899- 16/11/1949)

Vós que lá do vosso Império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um Mundo novo a sério.



Eu não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.


António Aleixo, poeta popular

domingo, 15 de novembro de 2009

Jacques Brel - Ne Me Quitte Pas

Monteverdi por Paolo Fresu & Uri Caine

Madredeus Lisboa

Invitation au Voyage


Mon enfant, ma soeur,
Songe à la douceur,
D'aller là-bas, vivre ensemble!
Aimer à loisir,
Aimer et mourir,
Au pays qui te ressemble!
Les soleils mouillés,
De ces ciels brouillés,
Pour mon esprit ont les charmes,
Si mystérieux,
De tes traîtres yeux,
Brillant à travers leurs larmes.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décoreraient notre chambre;
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre,
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale,
Tout y parlerait
A l'âme en secret
Sa douce langue natale.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
Les soleils couchants
Revêtent les champs
Les canaux, la ville entière
D'hyacinthe et d'or;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Charles Baudelaire (1821- 1867)

Pedro Barroso - Menina dos Olhos de Água

sábado, 14 de novembro de 2009

APENAS AREIA

Sou o pó

E vou no vento

Através de rios

E montes

Vou no vento

E talvez eu pouse

Talvez encontre

O mel as areias

Do teu corpo

Trazidas pelo vento

António Ramos Rosa

Outono