Primavera
ADÁGIO
Tão curta a vida e tão comprido o tempo!...
Feliz quem o não sente.
Quem respira tão fundo
O ar do mundo,
Que vive em cada instante eternamente.
Miguel Torga
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
Ondjaki , um escritor multifacetado
O escritor Ondjaki recebeu hoje o Prémio José Saramago pelo romance "Os transparentes", no mesmo dia em que é publicado o seu novo livro, "Uma escuridão bonita", com ilustrações de António Jorge Gonçalves.
O Prémio José Saramago é o segundo galardão que o escritor angolano recebe este ano, depois do Prémio Fundação Nacional do Livro Infantil, pela obra de ficção juvenil "A bicicleta que tinha bigodes", que lhe tinha já valido o Prémio Bissaya Barreto, no ano passado.
Ondjaki, pseudónimo literário de Ndalu de Almeida, é um termo da língua umbundu que significa "guerreiro". O autor estreou-se literariamente em 2000 com o livro de poesia "actu sanguíneu", que lhe valeu uma menção honrosa do Prémio António Jacinto, nesse mesmo ano.
Nascido em Luanda há 36 anos, Ondjaki tem publicados vários títulos nas áreas de poesia, conto, novela, romance e teatro, e assinou, em 2006, com Kiluanji Liberdade, o documentário "Oxalá cresçam pitangas".
O escritor junta o Prémio Saramago a outros galardões já recebidos, nomeadamente o Prémio António Paulouro, em 2005, pelo livro de contos "E se amanhã o medo", o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco da Associação Portuguesa de Escritores, pela obra "Os da minha rua", em 2007, o Grinzane for Africa- young writer, o brasileiro Jabuti, na categoria juvenil, pela obra "AvóDezanove e o segredo do soviético", em 2010, e ainda o angolano Caxinde do Conto Infantil, pelo título "Ombela, a estórias das chuvas", em 2011.
Ondjaki é autor de 19 títulos, incluindo o publicado hoje pela Editorial Caminho, e, entre eles, refira-se "Bom Dia Camaradas", "O Assobiador", "Há Prendisajens com o Xão", "Quantas madrugadas tem a noite", "Materiais para confecção de um espanador de tristezas", "Os vivos, o morto e o peixe-frito", "O voo do Golfinho", e "Uma escuridão bonita".
As obras do escritor angolano estão traduzidas em francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, sério, polaco e sueco.
Ondjaki vence Prémio José Saramago
Com o romance "Os transparentes" o escritor angolano vence a 8ª edição do prémio, que distingue autores com obra editada em língua portuguesa.
Lusa 12:34 Terça feira, 5 de novembro de 2013
O escritor angolano Ondjaki, de 36 anos, com o romance "Os transparentes", é o vencedor do Prémio José Saramago 2013, no valor de 25.000 euros. A distinção foi anunciada hoje, no mesmo dia em que é publicado o seu novo livro, "Uma escuridão bonita", com ilustrações de António Jorge Gonçalves. É também o segundo galardão que o escritor recebe este ano, depois do Prémio Fundação Nacional do Livro Infantil.
Esta é a oitava edição do galardão, instituído pela Fundação Círculo de Leitores, que distingue autores com obra editada em língua portuguesa, no último biénio, menores de 35 anos à data de publicação da obra.
O júri, presidido por Guilhermina Gomes, do Círculo de Leitores, foi constituído pela poetisa Ana Paula Tavares, Manuel Frias Martins, da Universidade de Lisboa, Maria de Santa Cruz, da Universidade de Aveiro, Nazaré Gomes dos Santos, da Universidade Autónoma de Lisboa, pelos escritores Nélida Piñon e Vasco da Graça Moura e por Pilar del Río, presidente da Fundação José Saramago.
A obra "Os transparentes" foi publicada em 2012 pela Editorial Caminho e, segundo Vasco Graça Moura, surpreende pela "maneira como a sua utilização da língua portuguesa é, não só capaz de captar com a maior naturalidade as mais diversas situações num contexto social tão diferente do nosso, mas comporta em si mesma fermentos de uma inovação que espelha com força e realismo um quotidiano vivido na sua trepidação e também funciona eficazmente ao restituí-lo no plano literário".
A presidente da Fundação Saramago afirma, por seu turno, que "ao lermos 'Os transparentes' temos a sensação de estar a ler uma literatura inaugural".
"Sabemos que não é assim, que Angola tem grandes escritores e que muitos fazem do português em África um idioma sólido, versátil e belo, e que também Ondjaki faz parte de uma poderosa constelação", salienta Pilar del Río.
Segundo a sinopse da obra, publicada pela Caminho, no romance, "de novo aparece Luanda - a Luanda atual do pós-guerra, das especificidades do seu regime democrático, do 'progresso', dos grandes negócios, do 'desenrasca' - como pano de fundo de uma história que é um prodígio da imaginação e um retrato social de uma riqueza surpreendente".
Paulo José Miranda, Adriana Lisboa, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, João Tordo e Andréa del Fuego foram os nomes premiados com este galardão nas edições anteriores.
Lusa 12:34 Terça feira, 5 de novembro de 2013
sábado, 9 de novembro de 2013
Caravelas
Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.
Caravelas doiradas a bailar...
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...
- Florbela Espanca, in O livro de Sóror Saudade (1923).
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
A canção da vida
A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
Mário Quintana, Esconderijos do Tempo, 1980.
A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
Mário Quintana, Esconderijos do Tempo, 1980.
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
A Camilo Castelo Branco
Passou, meu Deus, foi um sonho
De que é doce o despertar,
As negras, feias visões,
Já nem me quero lembrar,
Tornei a achar o remanso
Do meu tão doce sonhar…
Volto quase à paz serena
Dos meus dias infantis;
O meu anjo me segreda
Mistério… que não se diz,
Vejo o futuro coroado
Pela esperança a que me afiz.
É muito para a minh’alma:
Importa da vida o céu:
Sobre os falsos dons do mundo
Lançarei cerrado véu.
Das ambições a mais nobre
É chamar-te um dia meu.
Ana Augusta Plácido
Comédia humana
Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.
Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.
Quando o avô desta vã literatura
Garret, era levado á sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…
Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.
Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.
Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.
Quando o avô desta vã literatura
Garret, era levado á sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…
Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.
Camilo Castelo Branco
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
NUNO JÚDICE
A Vida
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;
a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento"
domingo, 20 de outubro de 2013
sábado, 19 de outubro de 2013
Pudesse Eu Contar as VezesPudesse eu contar as vezes que ferrei os cantos da boca imaginando que eram teus os dentes que assim me amavam; que eram os teus lábios aqueles que, nessas ocasiões, eu mordia. Lembras-te de uma frase que costumavas citar, por tê-la escutado em qualquer parte, ou lido, já não sei bem? Aquela que dizia
- A minha anatomia enlouqueceu; sou toda corarão.
Pois é como me tenho sentido, mais ou menos assim, com a anatomia enlouquecida, sem saber já quais são os meus dentes ou qual a minha boca; como se cada pedaço meu não fosse mais do que saudade de ti: o desejo de te voltar a ver, de te cobrir outra vez de beijos - olhos, boca, rosto, o corpo todo de beijos -, de te abraçar e sentir o teu cheiro, de tomar nas mãos o ramo crespo dos teus cabelos e inalar a fragrância do teu pescoço. Possuo agora, em mim apenas, nos limites da minha topografia, toda a exaltação dos nossos corpos e sinto que não chego para tanto porque a soma de nós dois excedeu sempre a existência física dos nossos corpos. É como se rebentasse por dentro e tivesse de esticar a alma - ou lá o que é - para me ser possível reter ao menos um pouco do que daí sobrou.
Manuel Jorge Marmelo, in 'O Amor É para os Parvos'
MANUEL JORGE MARMELO
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Há escritores grandes na humildade... Mia Couto é-o certamente. (Adágio)
O menino que escrevia versos
Mia Couto
De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)
— Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse
criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o
esforço de alpinista em topo de montanha.
— Há antecedentes na família?
— Desculpe doutor?
O médico destrocou-se em tintins. Dona
Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso
por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias.
Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira
tinha sido em noite de núpcias:
— Serafina, você hoje cheira a óleo
Castrol.
Ela hoje até se comove com a comparação:
perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que
fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão
período de rodagem. O filho fora confecionado nesses namoros de unha suja,
restos de combustível manchando o lençol. E oleosas confissões de amor.
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava
para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos
recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem
pestanejo, a autoria do feito.
— São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia que tirar o
miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más
companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as
meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se
passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a
vida do homem se queda em ponto morto?
Dona Serafina defendeu o filho e os
estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.
— O médico que faça revisão geral, parte
mecânica, parte elétrica.
Queria tudo. Que se afinasse o sangue,
calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe espreitassem o nível do óleo na
figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia
era pôr cobro àquela vergonha familiar.
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem
deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo.
Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:
— Dói-te alguma coisa?
—Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta,
sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver,
doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:
— E o que fazes quando te assaltam essas
dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar
Serafina voltou à carga e desferiu uma
chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos?
Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho
aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o
braço da mãe.
O médico estranhou o miúdo. Custava a
crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele,
modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente,
coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a
começar. O doutor o interrompeu:
— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é
nenhuma clinica psiquiátrica.
A mãe, em desespero, pediu clemência. O
doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver
se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e
guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse
o paciente.
Na semana seguinte, foram os últimos a ser
atendidos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais
versos? O menino não entendeu.
— Não continuas a escrever?
— Isto que faço não é escrever, doutor.
Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida —
disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.
O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo
era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento
urgente.
— Não temos dinheiro —
fungou a mãe entre soluços.
— Não importa —
respondeu o doutor.
Que ele mesmo assumiria as despesas. E que
seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido
tratamento. E assim se procedeu.
Hoje quem visita o consultório raramente
encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está
internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico
que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando
silêncios:
— Não pare, meu filho. Continue lendo...
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
ANTÓNIO RAMOS ROSA
A FESTA DO SILÊNCIO
Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa, Volante Verde
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
São Leonardo da Galafura
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Miguel Torga
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Miguel Torga
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